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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A sociedade individualizada - Zigmunt Bauman


“Os homens são tão necessariamente loucos”, sofismava Blaise Pascal, “que não ser louco seria outra forma de loucura.” Não há saída para a loucura senão outra loucura, insiste Ernest Becker, comentando o veredicto de Pascal, e explica: os homens estão “fora da natureza e desesperadamente nela”.

Tanto em termos individuais como coletivos, todos nos elevamos sobre a finitude de nossa vida corporal, e no entanto sabemos – não conseguimos não saber, embora façamos tudo (e mais) para esquecer – que o vôo da vida, de maneira inevitável, vai cair no solo. E não existe uma boa solução para o dilema, pois é exatamente se elevar sobre a natureza o que abre nossa finitude ao escrutínio e a torna visível, inesquecível e dolorosa. Fazemos o possível para transformar nossos limites naturais no mais bem guardado dos segredos; mas, se tivéssemos sucesso nesse esforço, teríamos pouca razão para nos esticarmos “além” e “acima” dos limites que desejamos transcender. É a própria impossibilidade de esquecer nossa condição natural que nos lança e permite que pairemos sobre ela.

Como não nos é permitido esquecer nossa natureza, podemos (e precisamos) continuar desafiando-a. Tudo que o homem faz em seu mundo simbólico é uma tentativa de negar e sobrepujar seu destino grotesco. Ele literalmente se lança em um esquecimento cego por meio de jogos sociais, truques psicológicos, preocupações pessoais tão afastadas da realidade de sua situação que são formas de loucura: loucura aceita, compartilhada, disfarçada e dignificada, mas mesmo assim loucura. “

Aceita”, “compartilhada,” “dignificada” – dignificada pelo ato de compartilhar e pelo acordo franco e tácito de respeitar o que é compartilhado. O que chamamos “sociedade” é um grande aparelho que faz apenas isso; “sociedade” é outro nome para concordar e compartilhar, mas também o poder que faz com que aquilo que
foi concordado e compartilhado seja dignificado. A sociedade é esse poder porque, como a própria natureza, estava aqui muito antes que qualquer um de nós chegasse e continuará aqui depois que todos tenhamos partido.

“Viver em sociedade” – concordando, compartilhando e respeitando o que compartilhamos – é a única receita para vivermos felizes (se não felizes para sempre). O veneno do absurdo é retirado, pelo costume, o hábito e a rotina, do ferrão da finalidade da vida. A sociedade, diz Becker, é “um mito vivo do significado da vida humana, uma desafiadora criação de significado”. “Loucos” são apenas os significados não compartilhados. A loucura não é loucura quando compartilhada.

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