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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

POR UMA NOVA CULTURA DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Na correria da vida, no ritmo frenético da sobrevivência, tentando nos equilibrar no emprego, pagar as contas, talvez estudar para tentar melhorar de vida, difícil é encontrar tempo para participar da vida política de nossa cidade, ou mesmo encontrar algum sentido nisso. Geralmente só participamos quando chega o “tempo da política”, expressão muito utilizada para se referir às eleições. Quando resolvemos dar opinião sobre os problemas sociais, logo alguém adverte: “Isso é coisa de político.”

A política se constitui de reflexões e decisões humanas que fazem à mediação da vida social; ninguém vive fora de tais mediações. Participando ou não da formulação, somos todos submetidos a normas e instituições. As leis que mediam as relações de trabalho, a moradia, a moral, a utilização do espaço urbano, do transporte, a lei da educação, da saúde, do lazer, dos espaços, que define se tem sala de cinema e teatro na periferia ou não, o preço do ingresso para assistir o jogo no Serra Dourada; não há como fugir das normas sociais. Mas de onde brotam estas mediações que regulam a vida social? Ora, não somos nós mesmos quem criamos tais leis? Não vivemos em uma democracia?

Idealistas como Rousseau, um dos fundadores da democracia republicana, acreditavam piamente na possibilidade de regularmos racionalmente a vida em sociedade, de tal maneira que ninguém, por mais forte que fosse, teria o direito de exercer de forma desigual essa força sobre o mais fraco. Daí a ideia de que somos todos iguais perante a lei. Contudo, os conflitos sociais demonstram claramente os limites desse idealismo, na medida em que o uso da força é justificado na defesa da democracia; democracia falha que vem servindo a poucos. Democracia representativa que vem nos afastando das decisões e entregando nas mãos de poucos o direito de definir as normas sociais. Talvez o ideal de Rousseau só faça sentido se perseguido por meio da participação direta na política, na construção das mediações, das normas sociais, não por uns poucos parlamentares em negociatas de gabinetes mergulhados na corrupção, mas, sim, ampliando os espaços de decisão.

O processo de colonização e de divisão mundial do trabalho e da economia trouxe a ausência ainda mais forte de um Estado de direito a brasileiros e latino-americanos, ditos naturalmente inferiores, fazendo ecoar no imaginário popular afirmações desta inferioridade: “Terra boa de gente que não presta;”. “Plantando tudo dá! O povo é que é vagabundo.” Quando quebramos o estigma da inferioridade e nos organizamos para lutar por nossos direitos, o Estado se militarizou e fechou a ferro e fogo os canais de participação, ficando inconscientemente no imaginário de gerações a afirmação: “Contra a força não há resistência (lembro-me de ouvir isso desde a infância).”

A década de 90 foi a do individualismo, da privatização, da meritocracia, foi a década da doutrina neoliberal. Após a ditadura militar, que mutilou a participação política, tivemos a onda individualista pregando aos quatro ventos que “cada um buscasse o mérito de fazer o melhor”, desprezando a força dos grandes projetos coletivos e das organizações de classe, a força das agremiações políticas. O que acabou por fortalecer ainda mais a restrita política representativa. Votamos em um vereador e esperamos dois anos para votar em um deputado, e depois somos comunicados que o vereador votou contra o aumento do salário do professor no município, que o deputado votou em aumentar o tempo de serviço, adiando nossa aposentadoria. Somos comunicados que a Cachoeira Dourada foi privatizada, que a Universidade Estadual de Goiás sofreu um corte de verbas, que a passagem de ônibus aumentou, que há um rombo na previdência do município, ou pior, acabamos morrendo na fila de espera do Hospital de Urgência de Goiânia, enquanto as produtividades da soja e da cana batem recordes, favorecendo a balança comercial do Estado. Não é por acaso que não acreditamos nas instituições políticas, afinal de contas não respeitamos tais instituições porque não somos respeitados por elas. Mais fácil é fazer uma troca de favores qualquer do que pensar seriamente em participar da política.

Antes que sejamos comunicados que a empresa que trabalhamos vai demitir 200 pessoas, com a justificativa de conter a crise, mesmo recebendo apoio fiscal do governo. Antes que sejamos comunicados da privatização da Celg, ou da UEG, ou que tenhamos um outro episódio como o massacre do Parque Oeste Industrial, haveremos de nos mobilizar e construir no dia-a-dia uma outra cultura política, na qual sejamos nós os que decidem. Talvez seja preciso parar tudo para fazer um grande debate público, em uma “Ágora sem escravos”, e recriar os canais de participação na política, recriar o nosso lugar, onde faça sentido participar, construindo outras instituições mais coletivas, instituições que respeitaremos, pois nos sentiremos respeitados aos construí-las. Mas é claro que isso não significa nos ausentarmos dos espaços que existem, mesmo sabendo de suas limitações, e nem que isso seja possível sem conflitos significa buscar a ampliação dos espaços de decisão, fortalecendo as organizações de classe, potencializando as ações da sociedade civil.

Já pensou se fossemos nós os responsáveis por decidir os rumos do caótico transporte coletivo de Goiânia? Já pensou se houvesse um plebiscito para decidir sobre o sistema público de saúde, ou sobre a situação da Celg? Se pudéssemos decidir sobre as relações de trabalho e o destino dos impostos, já pensou o que poderíamos fazer? Mas isso, isso é coisa de político, não é mesmo?


*Fernando Viana é Secretário Político do PCB em Goiás.

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